quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Doação de vida


Você já deve ter ouvido falar em tráfico de órgãos. Já leu em algum jornal; já ouviu a história de alguém; já ficou com medo de mandar o filho na padaria; deve conhecer dúzias de histórias de crianças raptadas para tirar os órgãos; deve conhecer a história do carro preto!!
Deve conhecer aquela história famosa da banheira cheia de gelo e com o homem sem os dois rins! E aquela da criança sem os olhos!!

Pois é, tudo história da carochinha!!

Quando mudei meu segmento de Administração para a Enfermagem, fiz questão de desmistificar todos os mitos. É, fiz questão de separar bem o que é fantasia da realidade, afinal somos nós que fazemos a Enfermagem científica e não há espaços para o sobrenatural, mitos ou mesmo os curandeirismos, isto é coisa do passado.

Então pensando racionalmente e fisiologicamente, sempre tive essa minha dúvida em relação ao tráfico de órgãos e pesquisei, não tão a fundo como hoje, mas quando ouvi aquela história da banheira! Fiquei pasma, mas como sem os dois rins? E a hemorragia? E a hipotermia? Não vou nem entrar no mérito da técnica para que isso seja feito em respeito a quem não conhece nosso dialeto, mas vi que realmente tinha muita fantasia na coisa.

Pois bem, vendo com outros olhos a coisa, podemos dizer que o irracional também faz parte de nós apesar de sermos seres pensantes, evoluídos! Existe a necessidade da abstração, por mais cético que seja este cidadão, ele sempre buscará respostas para seus medos em algo que não conhece ou nunca viu!

O medo de ter seus órgãos roubados não é de hoje. Segundo a história há relatos no Império Romano de que crianças eram raptadas pelos cristãos para tirar-lhes o sangue usado para rituais, mas tarde na Idade Média era a vez dos cristãos dizerem que os judeus faziam a mesma coisa!!! Começando daí a lenda do roubo de órgãos.

A história é de que existe um grupo de pessoas especializado nisso, geralmente estrangeiros que seqüestra pessoas para roubar-lhes os órgãos. Há um registro do século XVIII em Lyon, na França em que houve uma revolta das pessoas que invadiram a Faculdade de Medicina dizendo que os cirurgiões raptavam crianças para dissecarem!!! E em outra versão mais fatídica havia lá dentro um príncipe a que faltava um braço, então todas as noites seqüestravam uma criança na esperança de achar um braço que servisse no cidadão. Que história!! E olha que nesse tempo nem faziam transplantes!!!

Mas trazendo para hoje essa pérola, recentemente o governo americano (FBI) comandou uma mega investigação em vários países do mundo, atrás de saber sobre o rapto de crianças e adultos e esta investigação culminou num documento chamado “’Rapto de crianças para transplante – Uma lenda urbana moderna’’ eles descobriram que a mesma história é repetida em todos os países!! Que a imprensa nem sequer muda os nomes dos personagens, sendo assim o João daqui, é John americano e o Juan espanhol, a Maria é a Mary americana e a Marie da França.

Denúncias sem comprovação, a história que passa de boca em boca implantam a desconfiança nas pessoas e atrapalham mais ainda a doação.

O sistema brasileiro é transparente e um dos mais confiáveis do mundo, não há comprovação, nem relato registrado em nenhuma delegacia do país, notificação ou registro de que alguém tivesse sido raptado e depois devolvido sem um órgão, e não há a possibilidade de furar a fila do SUS segundo Dr Elias David Neto – nefrologista, responsável pelo setor de transplantes de rins do hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo em entrevista com Dr. Drauzio Varela.

Infelizmente muitos lêem isto e continuam acreditando em seus mitos, há também uma explicação filosófica para isso. A idéia de que a instrução muda as pessoas, ensinando ciências e fatos, ou seja, o que se pode comprovar, fariam com que estas pessoas recusassem o sobrenatural e futuramente a religião desapareceria, esta idéia é anterior ao século XVIII quando começou-se a entender as coisas com a razão, porém isto não aconteceu e o que se vê hoje é a exaltação das antigas filosofias orientais como Feng Shui e tantos outros, presentes da classe baixa até a alta e...a crença nestas lendas urbanas continua firme e forte!!

Fiz o texto abaixo há alguns meses, quando conheci uma pessoa no orkut a qual vive em outro país, mas é brasileira e mesmo sem conhecê-la percebi em suas palavras o sofrimento e a ansiedade pela doação de córneas e o desespero com a segunda cirurgia, percebi o quão frágil fica o ser humano neste momento, mesmo com um oceano de distância nos separando.

Nunca a questionei diretamente sobre seu diagnóstico, como foi, como aconteceu, como chegou a isso, acho que é o pior assunto que um ser pode conversar, pois quase todo mundo pergunta a mesma coisa, por isso prefiro dar palavras de incentivo e de solidariedade ao invés de interrogá-la com mil perguntas que ela já está cansada de responder. Hoje somos amigas virtuais, ela é minha colega de profissão e está felicíssima com sua recuperação, é jovem tem 32 anos, muito bem casada, com certeza será mãe e poderá ver o filho lindo que terá daqui a um tempo, e repassará sua história para todos que estão na mesma situação e para todos que podem ajudar, isto aconteceu graças a boa ação de alguém que se livrou do seu egoísmo e permitiu que uma família nascesse e fosse feliz.

Você que é contra, reveja seus conceitos, pense bem, e se for do nosso ramo pesquise e procure esse mundo diferente e reveja seus conhecimentos filosóficos e científicos, sempre é bom, somos seres holísticos!
Eis o texto:

Imagine-se saindo de um consultório com uma receita na qual está prescrito ‘’um novo órgão”

E agora?

Você não pode entrar na primeira farmácia e comprar, não pode pedir pelo telefone, nem cotar o preço, não pode pedir daquele amigo que tem um pouco em casa que sobrou, ainda não pode mandar fazer, enfim não há como conseguir tal remédio.

Qual seu sentimento?

Desespero, aflição, angústia, desesperança, o chão se abriu e você caiu num buraco sem fim. Você então se inscreve numa lista interminável de pessoas que estão com a mesma receita, esperando há anos por alguém que se despeça da vida e deixe para você um remédio que não existe em nenhuma farmácia, isto é se os seus familiares assim o permitirem, sua batalha pela vida começa agora e a contagem é regressiva.

Ouvi muitas coisas na época em que as carteiras de identidade deveriam constar doador ou não doador e se estivesse em branco entendia-se por doador, isto foi revogado em 2000, e hoje para doar há a necessidade da família autorizar para que se possa de fato efetuar tal ação.

Mas na época eu me perguntava por que quem tem a capacidade de escrever na identidade “não doador” também não escreve “não receptor”?,

Por quê é muito fácil dizer que não doa, e amanhã se a tal receitinha chegar para ele? Como fica?

A morte encefálica é o ponto primordial para que se faça a doação de forma segura e confiável, já tive a oportunidade de trabalhar em uma UTI e sei o quanto se perde em órgãos somente por que as pessoas se apegam a um corpo que não será mais nada além de decomposição para alimentar as bactérias do solo e servir de adubo para as árvores frondosas do cemitério. Quanto desperdício!

Vi tantos morrerem por motivos tão banais, jovens, que poderiam continuar em outras pessoas com seus órgãos doados, vi a tristeza nos olhos das famílias a cada visita, e os médicos explicando o inexplicável, mas não vi nenhum serviço que chegasse até esses seres e tocassem seus corações para a doação, não vi nenhum preparo psicológico para a morte, para o que estava com certeza por vir, por isso e por muito mais desisti da UTI, não é meu lugar definitivamente, gosto de trabalhar para a vida, gosto de ver meu paciente se recuperar e voltar para sua família.

Em 2006 segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de órgãos) o número na fila era de 60 mil esperando um transplante e o grande entrave vejam só!é a falta de doadores! Seguida de preparo médico e infra-estrutura, ou seja, quem precisa de um órgão está com a cabeça a prêmio, por que não há como agilizar, comprar ou fabricar algo assim (fabricar por enquanto, isso é outra história), há também a falta de campanhas para incentivar a população e tentar tirar esse mito da cabeça do povo, conscientizar que a vida é coração batendo e oxigênio fluindo, depois disso ficam só as lembranças e o tempo bom que não volta mais, o que você tem pra viver é aqui enquanto está vivo, enquanto respira. Por que não dar esta alegria a outro que ainda tem o prazer de ter o seu ente querido por mais um tempo?

Será que é tão difícil assim?

Ou é melhor fazer campanha contra AIDS no carnaval, como se o pessoal só transasse no carnaval? Acredito que também seria muito bom se nossas crianças crescessem sabendo disso, educação na escola, por que adulto é muito difícil de educar.

Se você já passou por isso, sabe muito bem do que estou falando, se não passou pense a partir de hoje com carinho, dê-me apenas um motivo para não doar, mas um motivo palpável, convincente, sério e comprovado, nada de “não quero que me cortem depois de morto!! Morto não sente nada!!!’’

A vida é efêmera, curta e feita para viver da melhor forma possível, porém algumas pessoas passam por estes percalços e ficam dependendo da nobre atitude de alguém que já viveu e pode ajudá-la a continuar vivendo. Por que o egoísmo? A preocupação com a matéria que vai se decompor? Somos animais superiores por que pensamos e essa condição nos faz infinitamente diferentes um do outro, mas temos uma coisa chamada preservação da espécie, então vamos colocá-la em prática!

A vida é bela, e o que acontece depois da morte ninguém jamais voltou para contar...

"Um dia, um doutor determinará que meu cérebro deixou de funcionar e que basicamente minha vida cessou. Quando isso acontecer, não tentem introduzir vida artificial por meio de uma máquina. Ao invés disso, dêem minha visão ao homem que nunca viu o sol nascer, o rosto de um bebê ou o amor nos olhos de uma mulher. Dêem meu coração a uma pessoa cujo coração só causou intermináveis dores. Dêem meus rins a uma pessoa que depende de uma máquina para existir, semana a semana. Peguem meu sangue, meus ossos, cada músculo e nervos de meu corpo e encontrem um meio de fazer uma criança aleijada andar. Peguem minhas células, se necessário, e usem de alguma maneira que um dia um garoto mudo seja capaz de gritar quando seu time marcar um gol, e uma menina surda possa ouvir a chuva batendo na sua janela. Queimem o que sobrou de mim e espalhem as cinzas para o vento ajudar as folhas nascerem.Se realmente quiserem enterrar alguma coisa, que sejam minhas falhas, minhas fraquezas e todos os preconceitos contra meus semelhantes. Dêem meus pecados ao diabo e minha alma a Deus. Se quiserem lembrar de mim, façam-no com um ato bondoso ou dirijam uma palavra delicada a alguém que precise de vocês. Se vocês fizerem tudo o que estou pedindo, viverei para sempre."
Fonte: leitor de um jornal de grande circulação, comovido com a situação dos transplantes em nosso país com o objetivo de incentivar a cultura da doação - site DOEAÇÃO

Órgãos e Tecidos que podem ser doados após a morte

Rins

Pulmões

Coração
Válvulas Cardíacas

Pâncreas
Intestino
Córneas
Ossos
Cartilagem
Veias
Pele

Tendão

Órgãos que podem ser doados em Vida

Parte do Fígado

Medula óssea

Um dos rins

Parte do pulmão

O que é Morte Encefálica?

Morte encefálica significa a morte da pessoa
É uma lesão irrecuperável e irreversível do cérebro após traumatismo craniano grave, tumor intracraniano ou derrame cerebral
É a interrupção definitiva de todas as atividades cerebrais.

NÃO DEVEMOS CONFUNDIR COM COMA...

O estado de coma é um processo reversível
O paciente em coma está vivo
A morte encefálica é irreversível
O paciente em morte encefálica não está mais vivo

Confirmação de Morte Encefálica

Para confirmação do diagnóstico da morte encefálica são necessárias três avaliações, realizadas por médicos diferentes.

As duas avaliações clínicas são realizadas por dois médicos capacitados.
Estes médicos não devem fazer parte de uma equipe transplantadora.

O exame complementar, é realizado por um terceiro médico, entre a 1.ª e 2.ª prova clínica ou como 3.ª prova.
Crianças entre 7 dias e 2 anos, o exame indicado é o EEG, que deve ser, no mínimo, realizado duas vezes.




2 comentários:

Afonso disse...

Parabéns pelo blog. Faltam pessoas esclarecidas e desmistificadoras, que possam utilizar esta ferramenta informando, orientando e tornando as pessoas mais sensíveis à vida!

franci bahamult disse...

O viver social é aceitar condicionamentos
A sociedade considera de bom tom aqueles que se prestam a viver papeis distintos, no lar de um jeito, profissionalmente de outro...
Atualmente o sistema que estamos inseridos permite que mudemos socio, cultural e financeiramente de posiçao por nosso própio esforço contanto que usemos a régua que nos permite medir a distancia entre o que queremos e o que devemos fazer, estes sempre ambiguos
No contexto interligado da sociedade não existem ganhos pessoais sem detrimento da coletividade e vice-versa, de tal sorte que a não doação de orgãos não tem quasqer justificativa de quasqer ordem só se sustentando na ignoráncia
Enquanto a sociedade da as costas para este tema as novas tecnologias nos sorriem com pertubadoras possibilidades como a de podermos gerar seres somente para a extração de orgãos o que promete acalorar ainda mais as discursões sobre o tema, porem no momento o que temos para trabalhar é a doação de orgãos não onerada, que so é viavel no palco dos governos, pois se chegar as baias da iniciativa privada se tornará mais um item de comércio o que aumentara o oceano que separa as classes sociais e ira preterir os ja famosos " TRÊS P's" que capilarizam o proleteriado